Tire o seu sorriso do caminho

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Era uma vez um bloco de carnaval que todo ano invadia a comercial da 203/4 Sul. Por mais de dez anos, juntava doidos saudosistas do carnaval recifense que, fantasiados, corriam atrás de um trenzinho munido de orquestra, cantando frevos, fazendo folia.

Até que… os moradores das quadras vizinhas se encheram o saco. Dois dias no ano, aqueles foliões todos tinham a audácia de invadir sua entrequadra, espalhando confusão, gente bêbada, gente fazendo xixi nas árvores. Dois dias por ano, o caos. Dois dias por ano, imagine.

Alguma coisa precisava ser feita – e foi. Como sempre acontece por aqui, alguém encontrou na Constituição, nas leis federais, distritais, nos regulamentos de condomínio, nas epístolas papais, algum embasamento jurídico muito sério para impedir que aquela confusão toda tomasse conta da quadra duas vezes por ano.

Galinho de Brasília mudou de trajeto. Continua fazendo a farra deles – mas perdeu alguma coisa. Perdeu charme, perdeu, sei lá, tradição.

A gente que vive aqui em Brasília é um bocado mal-acostumado, sabe? – ou melhor, bem-acostumado. A gente vive numa cidade calma, pacata, cheia de verde. Somos mais de dois milhões de habitantes, acordamos todos os dias ao som de passarinhos e achamos isso a coisa mais normal do mundo. A gente gosta de silêncio. A gente gosta da nossa abençoada tranquilidade. A um ponto que a gente ficou meio intolerante com o contrário disso.

Eu sou daqui – também adoro esse nosso ritmo calmo. Entendo quem não quer gente bêbada, gente estranha, sabe-se lá vinda de onde, bem debaixo da sua janela. Entendo e respeito. Mas peço o mesmo respeito a quem gosta.

Imagina se os vizinhos do Galo, em Recife, resolvessem impedir a multidão de carnavalear. Os vizinhos dos blocos de Ipanema. A galera que mora na Barra, em Salvador. Carnaval precisa de alegria – e de uma dose igual de tolerância, de respeito. Mútuo, concordo, mas não existe carnaval sem barulho.

Então combinamos assim: concentramos toda a nossa folia nos próximos quatro dias. O resto do ano, deixamos a cidade quietinha como todos nós gostamos dela – bom, com talvez uma ou outra exceção no meio do caminho.

Respira fundo aí. Acaba na quarta-feira, eu juro.

* O nosso Quadrado entra em recesso a partir de amanhã (sim, o feriado vai ser intenso). Bom carnaval pra vocês, até quinta!

12 respostas em “Tire o seu sorriso do caminho

  1. Menina, fiquei tão feliz quando soube que a página é sua rsrs. Muito bom quando alguma coisa que a gente gosta vem de alguem que a gente gosta também! Parabéns, querida, mais um texto ótimo. O Carnaval na porta de casa é honra! Mas isso é pra quem sabe enxergar a alegria! Beijo, boa farra nos próximos dias.

  2. Nossa, tava falando isso outro dia aqui. O direito privado prevalece em qualquer situação aqui. Não há tolerância, a cidade é cheia de não-me-toques. Basta um moradorzinho com insônia ligar pra AGEFIS que no outro dia nego fecha um bar (não sem antes, claro, chamar uma rede de TV e um jornal pra mostrar que estão zelando pelo bem-estar da população que não aceita uma meia dúzia de noites mais barulhentas no ano) ou uma balada.

    É tão ridículo que o “Centro de Atividades” do Lago Norte virou área residencial e lá tem gente que ainda fica reclamando de estabelecimentos que abrem e “causam arruaça” nas imediações.

    Com certeza, esse lado de Brasília é muito chato. É egoismo demais.

    Beijos

  3. Carol, concordo plenamente! Tem muuuuita gente intolerante em Brasília. Você acredita que na MATINÊ do Vizinhança no ano passado (ou retrasado?) foi proibido banda de carnaval para não incomodar o pessoal da 108? É um pouco demais, né? Vamos ver como fica esse ano… Bjs pra vc e seus foliões

  4. Concordo com o que você disse sobre o Galinho, Carol (& Dani). A frescura está reinando mais e mais.

    Uma digressão. Moro na 402. Já morei na 403 e na 404 (sempre por ali). Na minha infância me lembro do Pacotão aportando na entrequadra 2/3, sempre cheio. Havia um palco, montado pelo Bar do Biu. Toda noite era uma farra. E a gente, que era criança, brincava muito e via de tudo, inclusive a mijação escrota ao redor. Já vi até cadável baleado do meu lado (o cadáver ficou caído do lado do Gate’s durante algumas horas, aí um colega cutucou o cara caído e viu o sangue). E Brasília era menos violenta que hoje. Tenho também na memória a imagem de uma mulher muito bonita, bebaça, mijando na frente de um carro. Eu parei na frente dela e fiquei só olhando, curtindo aquela coisa linda. E ela nem aí. Isso não me traumatizou (ou sim, porque eu me lembro disso até hoje, AH AH AH!!). O fato é que o mundo era o mundo e nada ia mal. A Baratona ainda era a Baratona dos bêbados que corriam tomando cerveja e caipirinha até caírem desfalecidos na… 402/403. As mães e pais deixavam os filhos soltos assistindo a tudo isso. Era até de certa forma didático. Eu via ali a degradação humana sem saber qualificar em palavras. Nada daquilo me serviu de exemplo (bom, por causa do bom-mocismo a Baratona virou essa porcaria politicamente correta, acho um saco essa onda PC, você deve imaginar). Quando a quarta-feira de cinzas chegava, quem tinha morrido enterrava-se e o resto ia trabalhar e pronto.

    Tudo isso pra dizer o seguinte: parte influente dos que moram na 203/204 é um saco. Tiraram o Galinho e o Pacotão. Tenho receio de que essa mesma laia que deve morar na 202 ou 402 reclamem do Galinho, que ainda passa por ali rapidamente. É muito pouco tempo para reclamarem, mas nunca se sabe. Essa chatice começou quando o Carnaval saiu do Eixão. Ceda a mão e pedem o braço. Agora estão no SMU, Eixo Monumental ou qualquer lugar deserto e ermo, onde a segurança, qualquer um pode constatar, é bem menor. Em Salvador, Recife e Olinda quem não gosta de Carnaval se conforma ou viaja. Assim são as coisas como deveriam ser. Mas estamos em Brasília, cada vez mais quadrada. Beijos.

  5. Olha, eu acho que essa intolerância tem a ver com o “envelhecimento” da população daquelas quadras. Eu moro ali do lado e sempre entendi o incomodo como passageiro e já tinha internalizado o “faz parte”, mas 80% dos meus vizinhos são idosos. Tem muito “velhinho” por ali…

  6. Morei toda a adolescência na 204. Tinha um grupinho da quadra, todos adolescentes metidos a roqueiros, usávamos sobretudo e all star de cano alto. E adorávamos o Galinho. Todos os anos íamos ver a bagunça, as fantasias e pelo menos os nossos pais nunca se incomodaram com a festa, com o barulho ou com o xixi. Pelo contrário, iam conosco e ficavam olhando de longe, sorrindo. Infelizmente a parte incomodada da quadra foi mais organizada que a parte que não se incomodava, e todos perdemos alguma coisa…

  7. Daqui a pouco, vão querer institucionalizar um Setor de Folias Sul, bem afastado da área residencial, num lugar onde não passa nem vento, pra que todos os blocos se organizem em fila. Cada um com sua senha, para não virar bagunça.

    Puxa vida.

  8. Dani, sei que sua intenção não é polemizar, mas minha postura com relação a isso mudou quando abriram uma boate aqui ao lado na época em que a minha mãe estava doente, confinada ao quarto e com um problema neurológico cujos sintomas eram agravados pelo barulho. Hoje entendo que a implicância com o barulho não é frescura de gente mau humorada: há milhares de razões para que as pessoas tenham o direito ao silêncio dentro da sua própria casa. Enfim, é uma pena perdermos alguns movimentos que são apenas a expressão da alegria e da nossa cultura, mas…

  9. Pingback: Atenção, moradores de Brasília: o espaço público é público | quadrado

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