Vive la fête – e viva as rádios de Brasília

Tenho um bocado de amigo que diz que não ouve rádio. Eles já tem referências demais, gostam de bandas, cantores e compositores demais e não querem perder tempo engolindo jabá de emissora ruim. Entendo, mas discordo: o problema não é ouvir rádio – é ouvir rádio errada. E aqui em Brasília, sinceramente, só ouve a repetição insuportável da Nova Brasil FM quem quer.

Mesmo com a partida da Kiss FM, que nos abandonou sem deixar sequer um bilhete na mesinha de cabeceira, ainda temos um bom conjunto de emissoras que cumprem de verdade o papel de uma rádio. Comunicam, trazem informação relevante, divertem e educam musicalmente.

Rádio Câmara: dois programas deliciosos de roquenrol, Faixa Contemporânea e Marco Zero. Um outro programa adorável feito para crianças, o Casa da Árvore – cheio de dicas de brincadeiras, historinhas e músicas muito legais para os pequenos. Além, claro, do programa de variedades Feijoada Completa que vai ao ar aos sábados e que, dizem, tem um certo quadro sobre Brasília que é imperdível.

Outra delícia do dial é a Rádio Nacional FM, a mais antiga em funcionamento em Brasília e que recentemente fez um concurso de novos músicos locais.  É deles o fofíssimo Momento Três e a melhor programação de samba (dos bons) e chorinho da cidade.

Mas o meu programa preferidíssimo fica no 100.9 Mhz do dial: Cultura no Mundo, da rádio Cultura FM.

Escuta a proposta: músicas do mundo inteiro. Geleia geral. Uma banda polonesa seguida de um rapper português seguida de uns mariacchis mexicanos seguida de uns sons africanos muito esquisitos. Eu me sinto dando a volta ao mundo. Já ouvi minha banda de amor Phoenix nas ondas do programa e o imperdível Calle 13, com Lationamérica, a canção mais bonita da América Latina.

Pois foi nesse lindo programa, assinado pela Paola Antony (que eu só conheço como ouvinte), que fiquei sabendo que vai rolar aqui em Brasília show da banda belga Vive la fête. Conheci a banda graças ao programa, já baixei várias e estou curtindo via youtube o som delícia que eu não perco por nada no dia 9 de novembro.

Amanhã te espero no dial, Cultura no Mundo, pra você me levar em novas viagens.

Bora?
Cultura no Mundo
Rádio Cultura FM, 100.9 Mhz
Segunda à sexta, das 7h às 8h, reprise às 20h

Vive la fête
9 de Novembro no clube da Ascade
R$ 30 antecipado, R$ 40 na hora
Ingressos à venda no La Ursa (Setor Bancário Norte) e na Kingdom Comics (Conic)

Vai um picolé de taperebá aí?

Peloamordedeus, que diabo de calor é esse? A cidade em chamas faz a semana ter um assunto só. A gente fica até sem criatividade pra responder pela enésima vez – “insuportável… vou morrer!” – então aí vai uma dica de uma resposta mais criativa: “Bora tomar um picolé de bocaiúva, murici, taperebá, araticum?”

Pois é, eu nasci no cerrado e não conheço 90% das frutas que a minha terra produz. Só descobri o nome de algumas visitando a sorveteria Delícias do Cerrado, na 212 sul. Foi quando descobri que existe neste mundo um sorvete de pequi e que jatobá é um energético natural e tem três vezes mais potássio do que a banana.

A loja tem os sabores tradicionais também, mas quem vai pedir uma bola de flocos se dá pra experimentar o sorvete de jabuticaba, de umbú ou de mangaba? Tem tantas opções que você fica meio indeciso. Mas com a sua cabeça assando não dá pra ficar perdendo tempo não: meu destino hoje vai ser a graviola, porque… credo, que calor é esse?!

Bora?
Delícias do Cerrado
212 Sul, bloco B
Abre todos os dias, inclusive feriados
11h às 23h
Entrega: 3346-8962
Site: aqui
Foto: @camilamoreira

Nossos modernos palácios

Eu moro aqui desde sempre, mas devia ter uns vinte e cinco anos quando vi a beleza da arquitetura brasiliense pela primeira vez. Levava um amigo arquiteto para visitar a Praça dos Três Poderes e ele olhava maravilhado para os prédios, dizendo verdades que eu nunca tinha escutado.

“Esses prédios são esculturas gigantes”. “Isso é arte”. “Brasília faz do Brasil uma referência mundial em arquitetura”. “Brasília me dá orgulho”. Ele falava e meus olhos se abriam. Eu ouvia aquilo e via a catedral, o Congresso, a Igrejinha pela primeira vez. Via pela primeira vez as superquadras e os cobogós.

Quando a gente viaja por aí, visita as catedrais e os palácios reais como aulas de escolas artísticas, de estilos arquitetônicos. O estilo de cada prédio, de cada cidade, localiza a cidade e o país na História – e, não tem nada a ver com o assunto, mas é bem isso que faz de Berlim uma cidade tão impressionante, aquele oásis de modernidade num continente velho funciona pra mim como um estandarte da História alemã, da Europa e do mundo no século XX.

Brasília é assim, também. A gente não vê ainda, por hábito ou falta de distanciamento histórico – mas é.

Visitar os palácios brasilienses é visitar o modernismo – nas suas linhas simples, na sua beleza geométrica. O Palácio do Itamaraty é o melhor exemplo disso, na beleza da sua arquitetura e das obras de arte que abriga. Não é passeio cívico, não – é melhor que ir a uma galeria. É arte mesmo.

   

Bora?
Palácio do Itamaraty, Esplanada dos Ministérios
Horário das visitas guiadas aqui

Uma tarde brasiliense da gema

Dois projetos que eu adoro – a Bsb Memo e o Quadradinho – vão se juntar na loja Endossa, neste sábado, pra uma mini-feira com comes e bebes, DJ tocando vinil e produtos que têm Brasília como referência e personagem principal. Por isso o nome do evento, Tarde Brasiliense, combina tão bem.

A Bsb Memo começou com um casal, Raffael e Thatiana, vendendo camisetas pros amigos e no estacionamento do Pão de Açúcar do Lago Norte, nas manhãs de sábado. Um ano depois, eles têm uma loja no subsolo do Cobogó, na 704/5 Norte, e vendem também pela internet.

Sou do tempo que souvenir de Brasília só tinha na feira da torre e na lojinha da Catedral, e era aquela coisa, digamos, desprovida de beleza. Aí veio a Bsb Memo com camisetas, ímas de geladeira e canecas que exploram aquilo que é nosso, e de nenhum outro lugar, de um jeito divertido. E bonito, enfim. Um presente muito legal pra quem gosta da cidade.

Já o Quadradinho é um quadradinho mesmo: ilustrações em nanquim, feitas por Henrique Eira em um quadrado pequeno de compensado de madeira. A delicadeza do traço desse artista, um designer gráfico que já nasceu desenhista, é linda demais. É de uma simplicidade inteligente que dá vontade de ter na vida.

Henrique começou vendendo só na Endossa e agora já é chamado pra participar de feiras daqui e do Rio. As séries dele de Brasília, de origami e de crochê (essa é nova) são uma coisa. Já dei alguns quadradinhos de presente por aí, agora vai ser um pra mim, ninguém tasca.

Além disso, a mini-feira vai ter fotografias de José Maria Palmieri, que será o DJ responsável pela trilha sonora da tarde.

        

Bora?
Tarde brasiliense
Mini-feira com produtos da BsB Memo e do Quadradinho
Sábado, dia 27/10
Das 15h às 19h
Local: loja Endossa, 307 sul, bloco A
Página do evento no face: aqui

Bsb Memo
Subsolo do Cobogó Mercado de Objetos
704/5 Norte, Bloco E, lojas 51/56
Seg. a sáb., 9h às 19h
Site: aqui
Facebook: aqui

Quadradinho
Facebook: aqui
Flickr: aqui
Encomendas: ilustrequadradinho@gmail.com

Brasília segundo o cinema

Como parte da programação comemorativa de 50 anos da Universidade de Brasília, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo promove de hoje até sábado a mostra de filmes “UnB 50 anos: luz, câmera, Brasília”, no Museu Nacional. É uma coletânea de respeito da memória audiovisual da cidade: são 12 filmes, produzidos entre 1966 e 2011, a maioria documentários. Uma reunião de registros históricos, que revelam detalhes da construção da cidade e da UnB, e de depoimentos sobre a identidade do brasiliense e a influência da arquitetura na nossa forma de se relacionar.

Um dos filmes mais recentes da mostra é “Braxília”, de Danyella Proença, que se centra no olhar do poeta Nicolas Behr sobre a cidade. E um dos filmes mais antigos é uma raridade: “Brasília, contradições de uma cidade nova” é um curta de Joaquim Pedro de Andrade, filmado em 1967 a pedido da empresa Olivetti, que queria um registro poético da nova capital. E foi isso que o diretor de Macunaíma fez, mas só na primeira metade do filme, o que fez a Olivetti rejeitar o curta e engavetá-lo por décadas.

O descontentamento da empresa veio com a “liberdade poética” do diretor na segunda parte do filme. Depois de documentar a beleza das superquadras e dos palácios de Niemeyer, ao som de Erik Satie e narração de Ferreira Gullar, Joaquim faz um corte abrupto. E a câmera passa a focar nos imigrantes e operários, nos assentamentos precários e na falta de perspectiva dos estudantes, em uma UnB sufocada pela repressão. Se arrependimento matasse, hein Olivetti.

A mostra tem também “Fala Brasília”, filmado por Nelson Pereira dos Santos em 1966, com as impressões dos imigrantes sobre a cidade recém construída. Trinta anos depois, Maria Augusta Ramos filmou “Brasília, um dia em Fevereiro”, com um novo olhar sobre as distâncias, o excesso de espaços e a falta de praças da capital, e o que isso tudo provoca em nós.

O bacana do evento é que, todo dia, a exibição dos filmes será seguida por um debate com diretores e especialistas sobre a seguinte questão: até que ponto o cinema contribuiu para a formação de uma imagem fiel à Brasília e à universidade?

Bora?
UnB 50 anos: luz, câmera, Brasília
Mostra de cinema no Museu Nacional
Complexo Cultural da República, Esplanada dos Ministérios
De 25/10 a 27/10
Quinta e sexta, às 18h30. Sábado, às 15h30.
Foto: Cedoc/UnB

Programação:

Quinta, dia 25
18h30
Tema: UnB e o contexto de Brasília
Filmes: Vestibular 70 (1970, 15 min), de Vladimir Carvalho; UnB: 1ª experiência em pré-moldados (1970, 19 min), de Heinz Forthmann; Kiss Kiss Kissinger (1981, 18 min), de Jimi Figueiredo; Dois Candangos: A história passou por aqui, de Armando Bulcão e Tânia Montoro (1997, 32min).
Debatedores: Tânia Montoro, Pablo Gonçalo, Claudio Queiroz, José Carlos Coutinho, Jimi Figueiredo e Denise Moraes.

Sexta, dia 26
18h30
Tema: Brasília ontem e hoje
Filmes:Brasília, contradições de uma cidade nova (1967, 22 min), de Joaquim Pedro de Andrade; Memórias finais da República de fardas (2008, 38 min), de Gabriel Marinho; A cidade é uma só? (2011, 73 min), de Adirley Queirós.
Debatedores: Vladimir Carvalho, Adirley Queirós, Silvana Olivieri, Aldo Paviani, Sylvia Ficher, Gustavo de Castro

Sábado, dia 27
Tema: Brasília Cultura
15h30
Filmes: Fala Brasília (1966, 12 min), de Nelson Pereira dos Santos; Brasília, um dia em fevereiro (1996, 67 min), de Maria Augusta Ramos; A arte de andar pelas ruas de Brasília (2011, 17 min), de Rafaela Camelo; Oficina perdiz (2006, 20 min), de Marcelo Diaz; Braxília (2010, 17 min), de Danyella Proença.
Debatedores: Dacia Ibiapina, Wagner Rizzo, Reinaldo Machado, Iberê Carvalho, Rafaela Camelo.

Teatro para corações fortes

“Ultra-romântico”, a peça do grupo Liquidificador que está em cartaz no subsolo do Conic, não é para principiantes.

Baseado no livro “Noite na taverna”, de Álvares de Azevedo, a peça propõe uma releitura moderna, punk e revolucionária daqueles valores intensos todos que a gente se lembra vagamente de ter aprendido quando estudava a segunda fase do Romantismo, lá nos idos do segundo grau. A escola de morrer cedo, lembra?, também chamada de ultra-romântica. Vem daí o nome da peça.

Viver o momento, a paixão, a intensidade romântica que flerta sempre com o limite da morte, com o proibido – tudo isso temperado pelo hedonismo das longas e lascivas noites passadas nas tavernas. Só que o ultra-romantismo brasiliense é ultra-contemporâneo, ambientado em uma noitada underground com punks, música eletrônica, drogas, bebidas baratas e uma proximidade quase real da marginalidade urbana.

Esta fronteira, aliás – o que é teatro?, o que é real? – foi para mim uma das muitas experiências bem-sucedidas da peça. É você que entra em cena, e não os atores – e eles estão sempre muito perto, transformando você de público em testemunha, em quase cúmplice. A tal ponto que, depois da encenação dos sábados, a peça se transforma em festa e de repente estamos todos curtindo juntos – e nada parece mais natural.

Porque é bem fácil sentir-se num inferninho de verdade estando numa peça-festa no Conic, com baratas (bem reais) que esbarram nos pés dos atores, a música, as luzes, o ritmo de muitas das nossas baladas contemporâneas. Tempere-se tudo isso com um pouco de marginalidade, crack e os amores letais que costumam surgir desta mistura e, quem diria?, a escola de morrer cedo fica tão contemporânea.

Com música e vídeo produzidos no calor das emoções, além de um elenco talentoso e completamente entregue ao enredo, a peça testa muitos outros limites: o antigo e o moderno, o cool e o brega, o amor e o ódio, a vida e a morte, o medo e a sedução, a fronteira entre os gêneros.

Almas sensíveis, abster-se. Para todos os outros, é a oportunidade de ver teatro de verdade, forte, underground e desavergonhadamente brasiliense.

Bora?
Já fui e, se bobear, vou de novo.
Sextas, sábados e domingos até 4 de novembro de 2012
Subsolo do Conic (entrada pelos fundos, ao lado das lojas de doces)
Sextas e sábados, às 21h, e domingo, às 20h
R$ 20, 00 (inteira)/ R$ 10,00 (meia)
O site da peça é por aqui.

Derrubaram o homem de Antony Gormley

Os homens de ferro de Antony Gormley são intrigantes. No Rio e em São Paulo, por onde passou a exposição “Corpos presentes — Still Being”, 31 esculturas feitas pelo artista britânico a partir do molde do próprio corpo foram espalhadas pela cidade, no topo de prédios, à beira do abismo. Em Brasília, o CCBB abre a mostra hoje com um detalhe mais desconcertante: um ato de vandalismo, no último domingo, obrigou a retirada de uma das esculturas, próxima ao Espaço Israel Pinheiro, atrás da Esplanada. O corpo voltou hoje ao local, com uma base de concreto de reforço (leia nota abaixo).

A assessoria de imprensa do CCBB informou que a escultura foi derrubada – cada uma pesa 630 quilos, imagine o que foi preciso fazer pra jogar o homem de Gormley no chão. Não é a primeira interferência na mostra, mas não há registro de uma reação tão violenta. No Rio, uma escultura ganhou uma caixinha de esmolas com a frase “ajude a arte”, outra recebeu uma camisinha usada, e o artista achou “um luxo, um batismo seminal, de amor”, segundo matéria do O Globo.

Em Brasília, não se sabe o que o britânico achou do vandalismo, assim definido pelo CCBB. Um ato “de amor” certamente não foi, e isso me deixa um pouco envergonhada pela cidade. Por outro lado, diante de uma obra tão provocativa e perturbadora, a agressão ao homem de ferro parece abrir novas perguntas e reflexões. Exatamente o que Gormley quer: perguntas e reflexões. Não só sobre a obra, mas sobre a nossa relação com ela, sobre nós e a cidade. “Por quê?” é uma das questões preferidas do artista, um dos mais celebrados da Inglaterra.

“Corpos presentes” é a primeira grande exposição individual de Gormley no Brasil. No Rio e em São Paulo, a mostra ocupou o espaço do CCBB e se expandiu pela cidade, provocando as mais diversas reações. A mais comum foi o susto – muita gente ligou pra polícia achando se tratar de suicidas.

Em Brasília, a intervenção urbana vai ser bem menos provocativa: são apenas quatro esculturas fora do centro cultural, e nenhuma vai ver a cidade de cima. Uma está no acesso à ponte JK, perto do CCBB, duas foram instaladas na rodoviária (nas plataformas superior e inferior) e a última é a vítima de agressão.

Essa informação foi um pouco frustrante, preciso admitir. Vi a exposição no Rio e a parte mais bacana foi ver aqueles homens distribuídos no centro da cidade, perto do céu. Não achei nada suicida, me senti vigiada por guardiães misteriosos. Sabe Asas do Desejo, do Wim Wenders? Lindo.

Não via a hora de sair de casa, aqui, olhando pra cima, em busca deles. Nessa arquitetura modernista, diferente de tudo o que Gormley viu por aí, os corpos de ferro ficariam lindos demais lá em cima. Mas ok, fica pra outra. A exposição no CCBB, que tem outras esculturas do artista, vale muito a visita.

     

Bora?
“Corpos presentes — Still Being”
Exposição de Antony Gormley no CCBB
23/10 a 6/01
Terça a domingo, das 9h às 21h
Entrada gratuita

* Nota: Segundo a assessoria de imprensa do CCBB, no domingo a escultura foi encontrada embalada em plástico, no chão. A organização da mostra teve de construir uma base de concreto para firmar a escultura, que foi reinstalada nesta terça.

Esse texto foi atualizado às 16h10.